Meninas na Ciência: projetos combatem disparidades que afastam mulheres das exatas
Existe um desequilíbrio histórico em relação ao número de homens e mulheres atuantes nas ciências. No Brasil, elas são maioria nos cursos superiores e representam 49% das bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), porém, no decorrer da carreira, os cargos e funções mais prestigiadas ficam com os homens. Uma disparidade que começa a ser observada ainda no ensino básico, quando os bons resultados das meninas caem com o passar dos anos.
Os números comprovam a desigualdade:
Segundo o CNPq, as bolsas de produtividade em pesquisa 1A, as mais altas, apenas contemplam 24,6% de mulheres. Na Matemática, o cenário é ainda mais desproporcional. Em 2015, 10,5% das bolsas foram para mulheres, um número que está estagnado há pelo menos 10 anos.
Já o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) afirma que a perda de espaço nas ciências pelas mulheres acontece ainda em idade escolar. Na Olimpíada Brasileira de Matemática de Escolas Públicas (OBMEP), por exemplo, as meninas conquistam mais medalhas no nível 1 ( 5º e 6 º ano do ensino fundamental), mas esse número cai no nível 2 (7º e 8º ano) e mais ainda no nível 3 (ensino médio).
Para mudar esse quadro, iniciativas tentam estimular o interesse e a participação das meninas em competições científicas.
Gabriela Alvim, de 15 anos, participou do projeto Meninas Olímpicas, que visa estimular o interesse de jovens em desenvolver carreiras em áreas da ciência e tecnologia. A iniciativa do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) com apoio do CNPq atua em cinco escolas públicas do estado do Rio de Janeiro, e uma delas é a Escola Municipal Alberto José Sampaio, na Pavuna, onde Gabriela estuda. No futuro, ela pretende cursar Astronomia.
— O curso me ajudou muito a conhecer outras áreas. Eu achava que para trabalhar com números e cálculos teria que ser professora de matemática. Eu sempre gostei, mas achava que não seria capaz. Ver as professoras do projeto foi um incentivo enorme. Se elas conseguiram, eu consigo também — conta Gabriela, que se incomoda com a falta de professoras de matemática em sua escola.
O Meninas Olímpicas começou atende 18 meninas do ensino básico, entre 14 e 17 anos. O projeto conta com cinco professoras e cinco licenciadas de diferentes universidades públicas do Rio, e tem o apoio de professores e pesquisadores voluntários. Segundo a coordenadora geral, Leticia Rangel, as mulheres têm muito o que contribuir para a área:
— Na escola é comum dizer que o menino é bagunceiro mas inteligente. Já a menina é apenas esforçada. Essa é uma questão cultural que precisamos enfrentar — diz Rangel, para quem o projeto é enriquecedor para as meninas participantes, mas também para as futuras professoras envolvidas: — Elas estão levando esse olhar sobre a segregação feminina para sua prática, e vão formar outras meninas ainda mais conscientes.
Meninas! Vamos fazer Ciência! é um projeto do Centro Federal de Educação e Tecnologia (Cefet) do Rio que realiza palestras e atividades para atrair as meninas para o universo científico, principalmente nas áreas de ciências, tecnologias, engenharias e matemática. Para isso, participantes do projeto vão às escolas públicas do ensino fundamental fazer experimentos com as alunas e apresentar grandes mulheres cientistas.
Dayse Pastore, coordenadora do projeto, conta que sentiu a desigualdade de gênero durante a sua formação acadêmica. Ela acredita que iniciativas como o Meninas! Vamos fazer Ciência! pode ajudar a mudar esse cenário.
— Quando fui fazer mestrado no IMPA, eu era a única mulher numa turma de 12 alunos. Isso foi chocante, e eu me sentia sozinha. Acredito e torço para que esse tipo de incentivo faça com que o sentimento de não pertencimento acabe. Quero que essas meninas vejam que aquele lugar também é delas — diz a professora, que conta com a ajuda de alunas do ensino superior e do ensino médio-técnico do Cefet para realizar o projeto. — Nós não excluímos os meninos das atividades, mas fazemos questão de levar meninas para apresentar a história de outras mulheres cientistas.
Democratizar os benefícios da ciência é tarefa muito difícil, e uma parte específica da sociedade tem ainda mais dificuldade de acessar o conhecimento e a carreira acadêmica: as mulheres negras. Pensando nisso, a professora Zelia Ludwig criou o projeto Para Meninas Negras na Ciência, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A iniciativa existe há dois anos, e atende crianças a partir de 11 anos. O objetivo é levar a ciência para as áreas periféricas, usando a mulher negra como modelo.
— Comecei a pensar porque há tão poucas cientistas negras e fui procurar o que eu podia fazer para melhorar isso. Criei um projeto para empoderar meninas através das ciências — conta Ludwig, que acha importante que seu projeto atenda à todos. — Eu não excluo os meninos, porque se a gente quiser mudar alguma coisa precisamos mudar a cabeça deles tambem.
Por meio do Para Meninas Negras na Ciência, a professora leva tanto nomes consagrados quanto jovens da ciência para servir de exemplo para as alunas negras. Para Ludwig, o projeto é ainda um espaço de escuta para os professores brancos conhecerem a realidade das crianças periféricas:
— Quando comecei as atividades só aparecerem os meninos. Fui tentar descobrir porque as meninas não iam, e não era porque elas não estavam interessadas, mas porque estavam sobrecarregadas, cuidando dos irmãos e da casa. Tento fazer os meninos entenderem que eles precisam dividir as atividades com as irmãs.
Outro grande projeto de incentivo é o "Meninas com Ciência", do Museu Nacional da UFRJ. O curso para meninas entre 11 e 15 anos foi desenvolvido por pesquisadoras, técnicas e pós-graduandas do Departamento de Geologia e Paleontologia do museu. Atividades lúdicas e educativas sobre minerais, rochas, meteoritos, fósseis de plantas e animais abordam a importância das presenças das mulheres nessas áreas. A coordenadora Luciana Witovisk explica que um dos objetivos é mostrar que a ciência no Brasil também é feita por mulheres comuns.
— As mulheres envolvidas no projeto não se colocam no lugar de estrela ou de gênio, assim, as meninas se identificam e percebem que é possível trabalhar com ciência.
Nas primeiras cinco edições, o projeto atendeu 348 meninas e, apesar do incêndio que destruiu o prédio do museu, incluindo laboratórios e exposições utilizadas pelas alunas, a sexta edição está em curso. Para Witovisk, que é professora de Paleobotânica, a geologia é uma área historicamente masculina. A ausência das meninas se dá tanto pela falta de incentivo quanto pela cobrança social.
— Criaram carreiras específicas que mulheres devem seguir, como na área da saúde. Mas para seguir uma carreira cientifica você precisa abrir mão do padrões estipulados pela sociedade.
Conheça outras iniciativas que estimulam meninas e mulheres na ciência:
Meninas na Ciência (UFRGS) — https://www.ufrgs.br/meninasnaciencia/
Tem Meninas no Circuito (UFRJ) — https://temmeninanocircuito.wordpress.com/
Cientistas do Pampa (Unipampa - Uruguaiana) — https://cientistasdopampa.wixsite.com/elasporelas
Meninas na Ciência (UNB) — https://www.meninasnacienciaunb.com.br/
Meninas SuperCientistas (IMECC - Unicamp) — https://www.ime.unicamp.br/meninassupercientistas/
Engenheiras da Borborema — http://cct.ufcg.edu.br/noticias/projeto-engenheiras-da-borborema-desenvolvido-na-ufcg-ganha-destaque-no-bom-dia-paraiba/
Fonte: Jornal O Globo (https://oglobo.globo.com/celina/meninas-na-ciencia-projetos-combatem-disparidades-que-afastam-mulheres-das-exatas-24081867)
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